sábado, 5 de outubro de 2019




VIDA






“Consegui 100% de conciliações usando uma técnica terapêutica alemã”, afirma juiz baiano


Como o juiz Sami Storch conseguiu transformar seu interesse pessoal no método da constelação familiar para conseguir mais acordos na Vara da Família em Castro Alves na Bahia.


SAMI STORCH, EM DEPOIMENTO A MARINA RIBEIRO
08/12/2014 - 15h41 - Atualizado 08/12/2014 17h16








O juiz Sami Storch mudou o jeito de fazer direito da família 
em Castro Alves (BA) e tenta conseguir menores índices de 
reincidência na Vara Criminal de Amargosa (BA) usando a 
técnica alemã de constelações familiares (Foto: Arquivo Pessoal)


’Você me fez ser mãe/pai, e por isso é importante pra mim’; ‘que pena
 que não deu certo’; ‘foi difícil pra mim, e reconheço que você também
 teve dificuldades’. São frases assim, parte de uma técnica terapêutica
 alemã, que eu utilizo para conciliar conflitos no tribunal.

>> Nem meu nem seu, o filho é nosso

Tudo começou quando eu ainda advogava na área cível, com direito do 
consumidor, e repelia a área de família justamente por não acreditar na 
forma como ela tradicionalmente é tratada: com advogados tomando 
partido de seus clientes e querendo ganhar o processo em detrimento 
da outra parte. Os profissionais geram um agravamento do conflito e
 efeito dilacerante nos filhos, que se identificam com os pais e se sentem
 atacados também.

Um dia, fui a um workshop de constelação em São Paulo, onde morava
, em busca de autoconhecimento para resolver um problema pessoal e me
 apaixonei pela técnica. Comecei a estudar, ler os livros do criador da 
terapia, o alemão Bert Hellinger. Fiz uma formação em coaching sistêmico
 (orientação empresarial com base na teoria de Hellinger), depois de 
constelações familiares (técnica terapêutica de Hellinger) e continuo estudando 
até hoje.

>> Brigas familiares atrapalham a maior doação de obras de arte já feita no 
Brasil

Segundo Hellinger, a família é um sistema que afeta diretamente cada membro.
 Um trauma, um fato grave – como mortes, doenças graves, crimes, abortos – 
de um membro pode ter relação com as dificuldades de outro, até de outra 
geração, que se identifica com aquele destino trágico e tende a segui-lo. A
ideia das constelações familiares é evidenciar vínculos com o passado familiar
 e poder superá-los.


Primeira tentativa

Quando me tornei juiz, já estava fazendo a formação em constelações e
 logo percebi como na prática o conhecimento das leis sistêmicas auxilia
 na condução dos processos, a se posicionar de maneira a produzir mais 
conciliações. Por isso, passei a aplicar alguns princípios nas audiências. 
Dizendo algumas frases, pedindo que as pessoas fechassem os olhos e se
 imaginassem olhando para a outra pessoa e dizendo frases de reconhecimento.

>> Separar, como fazer?

A primeira vez que utilizei a prática verdadeiramente foi durante a disputa 
pela guarda de uma menina de quatro anos em 2010. Eu trabalhava em 
Palmeiras (a 450 km de Salvador). Mãe e avó queriam a responsabilidade
e trocavam acusações sérias. Percebi que o caso não poderia ser solucionado
apenas com uma decisão sobre a guarda da menina, já que qualquer que fosse
a decisão, permaneceria o drama e o sofrimento da menina, causado pela
disputa entre mãe e avó.



 Exemplo de constelações com bonecos, utilizadas em audiências com 
depoimento de crianças e adolescentes, especialmente em questões 
envolvendo definição de guarda e adoção (Foto: Arquivo Pessoal)


No dia da audiência, levei comigo um kit de bonecos, que utilizo para a 
prática da terapia de constelações familiares no atendimento individual –
 essa terapia também pode ser feita em grupo, com outras pessoas representando
 membros da família do cliente. Quando eu chamei a menina para ser ouvida
, coloquei os bonecos em cima da mesa e pedi para que ela posicionasse os 
brinquedos e montasse a história da família, mostrando que bonecos eram 
cada membro da família. Perguntamos onde a menina se sentia melhor, o 
que acontecia quando se aproximava da mãe ou da avó e outros personagens
 da família. E ela pôde expressar que ela se sentia melhor com a mãe, ainda
 que apresentasse um carinho grande pela avó e que ficasse bem com as duas.


Com a prática, a mãe, a avó e os advogados viram a verdade dos fatos
 naquela dinâmica. Antes, um juiz tinha tirado a guarda da mãe, mas quando
 a menina se expressou pela constelação, isso foi bem aceito por todos porque
 ficou muito claro e isso colaborou para a resolução do caso.

>> Filhos usados na vingança

Eu também tive a sensação de que a decisão relativa à guarda não tinha sido 
minha, mas sim da alma da menina, que expressou sua verdade de forma clara 
e inequívoca, embora não consciente – pois em momento algum lhe foi dito
 que os bonecos da brincadeira representavam sua família e ela. Ficou evidente,
 no entanto, que eram deles que estávamos tratando. Um depoimento tradicional,
 vindo de uma criança de quatro anos, jamais permitiria os mesmos resultados.


Desde então, tive muitas outras experiências pontuais, até que um dia vi a
 necessidade de expandir isso, porque a versão mais eficaz é quando utilizamos,
 na constelação, pessoas como representantes da família dos envolvidos na 
disputa. Os indivíduos se comportam de maneira mais completa, refletindo os
 sentimentos do retratado e demonstrando sentimentos dos quais muitas vezes não 
tínhamos conhecimento.


Constelação em grupo

Apresentei um projeto para o Tribunal de Justiça, para aplicação na Comarca de Castro 
Alves (a 180 km de Salvador) e foi aprovado. Fiz, então, a primeira sessão de constelação
 coletiva em outubro de 2012, convocando as partes relacionadas de 42 processos.
Comecei com uma palestra que explicava a teoria da ciência desenvolvida por
 Bert Hellinger. Depois, houve um momento de meditação em que cada participante
 se visualizou dizendo e ouvindo do parceiro frases como “você me fez ser mãe/pai,
 e por isso é importante pra mim”; “que pena que não deu certo”. Então, convidei
 quem gostaria de expor o caso e fazer uma constelação propriamente dita. Após
 uma breve explanação sobre o caso – somente dizia ao que referia o caso
 (pensão,guarda, divórcio) e apresentava os envolvidos, sem deixar espaço
 para troca apresentava os envolvidos,  sem deixar espaço para troca de acusações – 
convidei voluntário  para serem os representantes.

Constelação de ação de família que disputava um inventário. Após olhar para os representantes dos mortos da família, reconheceram a importância deles, representantes de mãe e filha se abraçam  (Foto: Arquivo Pessoal)

A pessoa que é escolhida para representar alguém vai se sentir como se fosse ela. 
A pessoa que for escolhida para representar o pai se comportará com características 
dele, mesmo que não o conheça. Isso se explica pela teoria dos campos mórficos, 
que é uma espécie de campo de sentimento que se projeta no ambiente e reflete o 
sistema familiar e sentimental na qual o constelado está inserido.

Vamos, então, colocando representantes da família dos envolvidos no processo até
 que se manifeste a origem do problema. Pode ser um avô que foi assassinado,
 algum aborto, um antigo relacionamento, ou um comportamento que se repete de
 geração em geração. Quando se descobre o que estava oculto e se reconhece a 
importância disso, há um sentimento de plenitude e abre-se um caminho para que
 os relacionamentos fluam melhor.


Muitas vezes, o que dificulta o acordo é a falta de reconhecimento e não
 falta de dinheiro. Quando a pessoa vê a outra, reconhecendo a importância
 que ela teve em sua vida e o fato de não ter dado certo é uma pena. Elas
 se sentem tristes, mas o vínculo de amor abre caminho para a conciliação.
No momento em que a gente coloca na constelação um membro da família
 que estava excluído, imediatamente traz uma sensação de plenitude para os 
representantes e isso tem um efeito pedagógico em quem está observando.

Após a realização desse processo, obtivemos um resultado muito positivo. Dos
 processos, 27 chegaram a um acordo e um foi extinto. Repetimos em mais quatro
 ocasiões na região e alcançamos o índice de 100% de acordos em processos
 em que as duas partes participaram da manhã de constelação.


>> O que falta nos homens que os leva a matar as companheiras?

Não houve criticas. Estamos procurando realmente buscar saber como estão as coisas
 na realidade, mais do que tratar de forma mecânica, de julgar só com base no que
 diz o papel. Além do resultado estatístico, a ideia foi muito bem aceita pela 
comunidade, que se sente que está sendo vista.

A prática também está gerando uma mudança na cultura da comarca, na visão
 dos advogados e dos servidores da Justiça em relação aos conflitos, que 
adotaram uma posição mais conciliadora e se tornaram mais assistentes do juiz.



O ideal é que no futuro os magistrados tenham assessores e assistentes que 
possam trabalhar com a constelação, ou que os mediadores aprendam técnicas
 de constelação para ajudar seu trabalho e evitar que o conflito chegue ao tribunal.



Constelações na vara criminal

Mudei de comarca. Agora estou na Vara Criminal de Amargosa (a 230 km de Salvador)
 e continuo usando mais ou menos o mesmo modelo de vivência, mas com temas
 específicos: ‘violência doméstica’, ‘adolescentes e atos infracionais’, por exemplo.
Independentemente da aplicação da lei penal, acredito que as constelações possam 
reduzir as reincidências, auxiliar o agressor a cumprir a pena de forma mais
 tranquila e com mais aceitação, aliviar a dor da vítima e, quem sabe, 
desemaranhar o sistema de modo que não seja necessário outra pessoa da família 
se envolver novamente em crimes por força da mesma dinâmica sistêmica.

Já em Amargosa, uma constelação mostra como a dinâmica familiar tornou o jovem vulnerável diante do tráfico de drogas. Na foto,  jovem se defronta com o traficante (Foto: Arquivo Pessoal) 
 Já em Amargosa, uma constelação mostra como a dinâmica familiar tornou o
 jovem vulnerável diante do tráfico de drogas. Na foto, o representante do
 jovem se defronta com o representante do traficante (Foto: Arquivo Pessoal)

A repercussão está sendo boa. Para olhar os resultados 
leva mais tempo, já que são casos criminais e nem sempre
 se resolve com uma conciliação, porque mesmo que as 
partes entrem em acordo, a ação penal não é eliminada. Para avaliarmos o 
resultado,é necessário mais tempo para verificar o índice de reincidência.

Não tem como garantir que com uma palestra, problemas antigos vão se resolver. São questões 
muito complexas. Seria muita pretensão resolver tudo de uma vez, mas faz vítima e agressor
 se olharem de forma diferente e saberem de onde vem aquela agressão. Ainda que não resolva
 de uma vez, pode trazer luz para uma dinâmica que estava atrapalhando a pessoa.





Sempre senti forte vocação para trabalhar na pacificação dos conflitos. Assim como
 todos, também há influência familiar nessa minha vivência. Venho de família judaica, 
meu pai é ativista em prol da paz no Oriente Médio e, há nove anos, sou casado com uma
 mulher de família árabe.”



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