sexta-feira, 24 de agosto de 2018

DIABETES um estudo de caso -




por Bert Hellinger





Como pode um problema de saúde ter um fundo sistêmico?
Esse estudo de caso, descrito no livro Ordens do Amor, de Bert Hellinger, fala sobre a constelação de uma cliente da “sua” diabetes.
As vezes, a dinâmica de uma doença pode estar ligada a um movimento nosso em assumir algo no lugar do outro.
Já falamos aqui no blog do que chamamos de “amor infantil”, que nos coloca na difícil missão de “consertar” as condições desafiadoras da vida de outras pessoas do nosso sistema. Esse movimento traz somente dor e tensionamento ao sistema familiar, e pouco ajuda para uma real resolução do problema.
Outra dinâmica da doença, descrita por Bert neste mesmo livro, é a recusa de tomar os pais. Nesta recusa, a pessoa se coloca acima dos seus pais e da realidade e a doença aparece como uma forma de forçar um movimento para a pessoa curvar-se àquilo que é.
Leia o caso abaixo e veja como uma constelação ajuda e traz apoio nos processos de cura de uma doença.
Gostamos também de lembrar que a constelação não traz a generalização, simplesmente por reconhecer que cada sintoma e cada sistema tem uma dinâmica própria, atuando sobre seus membros de maneira especial.
Mas é possível ler e perceber os movimentos de cura, e talvez, caso toque você durante a leitura, pode ser que haja um caminho disponível para você através da Constelação Familiar.

Por Bert Hellinger

HELLINGER: Em consonância com o tema deste curso, nas três tardes destinadas à ilustração de minha conferência sobre “Céu e Terra”, trabalharei principalmente com participantes que tenham uma doença grave ou corram risco de suicídio.
(Para Astrid, na cadeira de rodas): Venha para perto de mim! Pode vir tranquilamente em sua cadeira de rodas. Qual é a sua doença?
ASTRID: Sou diabética. Por causa do diabetes, fiquei dependente da hemodiálise e fiz um transplante renal.
HELLINGER: Vou colocar agora à sua disposição o que sei. Se você trabalhar comigo, com a sua boa alma e com a boa alma de sua mãe e de seu pai, talvez encontremos ajuda para você. De acordo? Bem. — Então diga-me algo sobre sua situação familiar. Houve em sua família acontecimentos marcantes? Por exemplo, alguém morreu cedo, alguém cometeu suicídio?
ASTRID: Depois de mim, nasceu ainda uma terceira criança que morreu com três dias de vida.
HELLINGER: Isso é importante. É um acontecimento ao qual os irmãos reagem com muita intensidade. Passou-se algo mais em sua família?
ASTRID: Meu diabetes se manifestou quando meu avô, que morava conosco, morreu de câncer.
HELLINGER: Ele era pai de quem?
ASTRID: De minha mãe.
HELLINGER: Houve mais alguma coisa especial na família de sua mãe? Por exemplo, alguém morreu prematuramente?
ASTRID: O irmão de minha mãe morreu na guerra, aos 14 anos, com difteria.
HELLINGER: Algum de seus pais ou avós esteve antes casado ou numa relação estável?
ASTRID: Não.

Representando o sistema

HELLINGER: Vamos representar agora o seu sistema, com participantes deste grupo. Escolha-os primeiro. Precisamos de alguém que represente o seu pai e alguém para sua mãe. Dos filhos, quem foi o primeiro?
ASTRID: Meu irmão.
HELLINGER: O segundo?
ASTRID: Sou eu.
HELLINGER: Também tomaremos alguém para representá-la. — A criança morta era…? ASTRID: Uma menina.
HELLINGER: Também para ela escolheremos uma representante. — De que morreu a criança?
ASTRID: Não ficou esclarecido.
HELLINGER: O que significa não esclarecido?
ASTRID: Bem, minha mãe me contou que ela não mamava. Outra causa de morte eu não conheço.
HELLINGER: Ela morreu de inanição?
ASTRID: Foi essa a única explicação que recebi. De resto, sobre essa criança se fez um absoluto silêncio.
HELLINGER: Houve alguma recriminação entre os pais pela morte da criança?
ASTRID: Sobre a criança jamais se conversou.
HELLINGER: Bem, vamos colocar os representantes. Você pode andar o suficiente para colocá-los?
ASTRID: Posso.
HELLINGER: Sabe como se faz uma constelação familiar?
ASTRID: Não.

Colocação dos representantes

HELLINGER: Tome com ambas as mãos cada uma das pessoas escolhidas e coloque-a em seu lugar, em relação com as demais, de acordo com o que você estiver sentindo no momento. Quando reconhecer que o posicionamento está certo, pare.
— Faça isso absolutamente de acordo com o que você estiver sentindo no momento. Em seguida, verifique mais uma vez se está certo assim, e então sente-se.
P Pai 
M Mãe 
1 Primeiro filho 
2 Segunda filha (=Astrid) 
†3 Terceira filha, morreu três dias após o nascimento
HELLINGER: Como está o pai?
PAI: Bem, sinto-me preso entre as duas e ameaçado pelas costas. O que está atrás de mim me inquieta e sinto o impulso de me virar para vê-lo.
HELLINGER: Como está a mãe?
MÃE: Sinto atrás de mim muita coisa invisível; algo muito pesado atrás de mim.

Os outros membros do sistema

HELLINGER: Como está o filho?
PRMEIRO FILHO: Sinto-me muito ligado à minha irmã e muito distante de meus pais.
HELLINGER (para a representante de Astrid): Como está a filha mais velha?
SEGUNDA FILHA: Sinto-me muito observada por meus pais. Acho bom estar distante.
HELLINGER: Como está a filha falecida?
TERCEIRA FILHA†: Não reconheço ninguém e não me sinto como integrante da família.
HELLINGER: Agora coloco a menina morta à vista de todos.


HELLINGER: O que mudou para os pais?
PAI: Sinto-me muito mais livre, apesar de sentir o espaço estreito em relação à minha mulher. Posso respirar muito melhor.
HELLINGER: Como está agora a mãe?
MÃE: Sinto-me aliviada.

A identificação com a irmã

SEGUNDA FILHA: Também estou melhor.
As duas irmãs trocam sorrisos.
HELLINGER: O que houve agora entre vocês duas?
SEGUNDA FILHA: É bom ter mais alguém assim.
HELLINGER (para o grupo): Tenho várias imagens desta família. A primeira é que a mãe quer deixar a família; quer seguir a filha morta. A segunda imagem é que a filha mais velha quer partir, para impedir que a mãe o faça. A terceira imagem é que a filha mais velha também quer seguir a irmã morta. Vocês viram o entendimento e o amor entre ambas?
As duas irmãs trocam sorrisos de novo.
HELLINGER: Estão vendo? Elas não conseguem escondê-lo.
Risos no grupo.
HELLINGER: Exatamente. — Agora vou colocar a mãe ao lado do pai.
HELLINGER: Que tal agora?
PAI: Sinto-me puxado para a direita.
HELLINGER: Pode ser que o pai queira desaparecer. Ele se sente puxado para fora. (para o pai): Fique do lado da filha morta e veja como é isto.
PAI: Sim, é bom.

A família do pai

HELLINGER (para Astrid): O que acontece na família de seu pai?
ASTRID: Um irmão mais novo de meu pai morreu de repente, por causa de uma pneumonia.
HELLINGER (para o pai): Volte para junto de sua mulher. — Vou colocar agora também seu falecido irmão mais novo.
†lrP Irmão do pai, morreu aos 14 anos
HELLINGER: O que mudou?
PAI: Isto é bom. Não sinto mais o puxão para a direita. Para os outros membros da família nada mudou.
HELLINGER (para o grupo): O pai tem provavelmente a tendência de dizer ao irmão morto: “Eu sigo você.”
HELLINGER: O que se passa agora com a mãe?
MÃE: Acho que alguma coisa mudou quando chegou o irmão dele. Até então essa distância excessiva não era adequada. Isso agora mudou. Mas o irmão não deve ficar perto demais.
HELLINGER: Sim, senão a mulher perde o marido. (para Astrid): Você quer agora colocar-se pessoalmente em seu lugar? — Como se chamava sua irmã falecida?
ASTRID: Maria.

“Querida Maria”

HELLINGER: Olhe para ela e diga: “Querida Maria!”
ASTRID: Querida Maria!
HELLINGER: Repita!
ASTRID: Querida Maria!
Longa pausa.
HELLINGER: Diga a ela: “Eu sigo você.”
ASTRID: Eu sigo você.
HELLINGER: “Com amor.”
ASTRID: Com amor.
HELLINGER: Repita isso!
ASTRID: Eu sigo você com amor.
HELLINGER: Essa frase está certa?
ASTRID: Sim.
HELLINGER: Como fica a irmã falecida com isso?
TERCEIRA FILHA†: Não muito bem.
HELLINGER: Exatamente.
TERCEIRA FILHA†: Não preciso dela.
HELLINGER (para o grupo): Isto agora é o “des-engano”. (para Astrid): Agora tiro sua irmã de perto de você e a levo ao lugar onde ela pertence. (à representante da irmã falecida): Sente-se no chão, diante de seus pais, e apoie neles suas costas!


HELLINGER (para os pais): Coloquem suavemente uma das mãos sobre a cabeça dela. Ambos os pais!
HELLINGER: Como está a filha falecida aí?
TERCEIRA FILHA†: Estou melhor.
HELLINGER: Como estão os pais?
Ambos os pais trocam sorrisos e balançam a cabeça afirmativamente.
HELLINGER (para Astrid): Diga à irmã: “Querida Maria.”
ASTRID: Querida Maria!
HELLINGER: “Esse é o seu lugar.”
ASTRID: Esse é o seu lugar.

“Eu fico aqui”

HELLINGER: “E eu fico aqui.” — Abra os olhos!
ASTRID: E eu fico aqui.
Longa pausa.
HELLINGER: Respire profundamente! Olhe para a mãe e diga a ela — Como você a chamava?
ASTRID: Mamãe.
HELLINGER: Diga-lhe: “Querida mamãe!”
ASTRID: Querida mamãe!
HELLINGER: “Eu fico aqui.”
ASTRID: Eu fico aqui. (Chora com emoção.)
HELLINGER: Sim. Olhe para ela e diga com amor: “Querida mamãe!”
Astrid hesita.
ASTRID: Querida mamãe! (Soluça.)
HELLINGER: “Eu fico aqui.”
ASTRID: Eu… eu… eu…
HELLINGER: “Eu fico aqui.”
ASTRID: Eu fico aqui.
HELLINGER: Repita muito simplesmente: “Querida mamãe!”
ASTRID: Querida mamãe, eu fico aqui.
HELLINGER: Agora olhe para o seu pai! Como você o chamava?
ASTRID: Papai.
HELLINGER: Diga: “Querido papai!”
ASTRID: Querido papai!
HELLINGER: “Eu fico aqui.”
ASTRID: Eu fico aqui.

A colocação do cliente

HELLINGER: Com ele é mais fácil. Agora olhe de novo para sua mãe! — Agora vou levar você também. Coloque-se ao lado de sua mãe! Assim, bem perto!
HELLINGER: Olhe para ela! Olhe-a nos olhos e diga: “Querida mamãe!”
ASTRID: Querida mamãe!
HELLINGER: “Eu fico.”
ASTRID: Eu fico. (Diz isso com firmeza.)
HELLINGER: Exatamente! Repita isso!
ASTRID: Querida mamãe, eu fico.
HELLINGER (para a mãe): Abrace-a! Com ambos os braços! (para Astrid): Diga: “Querida mamãe, eu fico.”
ASTRID: Querida mamãe, eu fico. (Ela o diz em alta voz)
HELLINGER: Exatamente. “Querida mamãe, eu fico.”
ASTRID: Querida mamãe, eu fico. (Soluça.)
HELLINGER: Respire! Respire profundamente! Com a boca aberta! Inspire e expire, profundamente! Assim. E repita, com toda a tranquilidade: “Querida mamãe!”
ASTRID: Querida mamãe!
HELLINGER: “Eu fico.”
ASTRID: Eu fico.
HELLINGER (para o grupo): Agora o tom está totalmente tranquilo. Só agora está certo. Só agora está presente a força total. (para Astrid): “Querida mamãe, eu fico.”
ASTRID: Querida mamãe, eu fico.
HELLINGER: Agora você o fez bem. Vai executá-lo também? Olhe para a mãe! Olhe-a nos olhos e diga: “Sim, eu assumo isso.”
ASTRID: Sim, eu assumo isto.
HELLINGER: Bem, foi isso aí.
Hellinger a conduz de volta ao seu lugar. Quando uma mulher, ao lado dela, faz menção de abraçá-la, Hellinger lhe diz:

A pena enfraquece

HELLINGER: Não, não! Isso iria prejudicar a alma dela. Consigo mesma ela está nas melhores mãos. Seu consolo só a distrairia.
HELLINGER (para o grupo): Agora preciso respirar profundamente, depois de um trabalho assim. Mas creio que pudemos ver que forças atuam levando à doença, e que força é necessária para encontrar a passagem para a cura.
E pudemos ver que o mesmo amor que leva à doença, também faz sair dela. A diferença é que agora ele tem um outro objetivo, porém o amor em si permanece inalterado. — Se alguém quer dizer ou perguntar algo que ainda não esteja claro, aproveite esta oportunidade.
UM PARTICIPANTE: Não ficou ainda algo a ser tratado no pai? Pois ele também queria buscar a morte.
HELLINGER: Um princípio importante neste trabalho é o seguinte: fazemos apenas o que é necessário para o cliente. Para ela não era preciso mais, estava bem claro. Então eu também me detenho para não tirar a força.
Quando o trabalho atinge o auge paramos imediatamente. Portanto, nada de querer aprofundá-lo ou de querer investigar, perguntando: “Como está você agora?”, ou coisas semelhantes. Você percebe isso?
O PARTICIPANTE: Sim.

Uma carta

Quatro meses depois desse evento, recebi dessa paciente a seguinte carta:

“… há semanas e dias, luto interiormente entre o desejo honesto de contar-lhe as mudanças que nosso encontro desencadeou em minha vida, e uma timidez e inibição que me impedem de colocar isso em prática.
O resultado mais evidente e palpável se manifestou na cessação imediata de uma série de infecções dos rins e canais urinários, que já vinha durando três anos, sem interrupção. Isso significa, para mim, essencialmente mais do que parece à primeira vista.
Essas infecções não só estavam comprometendo o êxito de meu transplante renal, mas já me tinham levado a admitir interiormente outra intervenção cirúrgica que, devido a várias circunstâncias, seria complicada e onerosa, e cujo desfecho seria muito problemático.
O “Eu fico”, que já perdeu, de há muito, o tom inicial de teimosia diante de minha mãe, tornou-se para mim uma certeza liberadora de que tenho o direito de viver. Os envolvimentos que se manifestaram: “Eu sigo você” e “Antes eu do que você”, que em nossa família se entrelaçam como uma rede, foram, pelo menos em relação à minha irmã falecida, claramente aliviados e desfeitos.
Tive, de repente, a liberdade de encerrar uma “carreira de doença” e uma escalada de sintomas quase tão longa quanto minha vida. A constante e indireta tentativa de suicídio perdeu sua mola impulsionadora e sua legitimação…”
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