domingo, 11 de maio de 2014

Texto de Bert Hellinger, A Festa




Relato de caso: preparando para a saída da escola
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Escrito por Hellen Vieira da Fonseca Teles   
... “o que conta quando nosso tempo se encerra?”
O outro respondeu:
“O que conta é o antes e o depois como uma só coisa”.
Bert Hellinger

1. Introdução

Ao iniciar o ano letivo de 2007, senti que algo me movia para fora da escola como diretora, como se a sensação fosse: “seu tempo encerrou”.
Trabalho em uma escola pública exclusiva para crianças com Necessidades Educacionais Especiais, em Taguatinga - DF. Foram seis anos de gestão onde crescemos juntos em momentos marcantes que jamais serão esquecidos e um grande sentimento de respeito e reconhecimento foi sendo construído em todos os seguimentos da escola. Aos poucos comecei a preparar a minha saída e da vice-diretora para julho do ano em questão. Caminhando pelos corredores da escola, olhava para cada pessoa com um profundo amor e nelas sentia seus pais, no meu íntimo agradecia a oportunidade de estar à frente daquele grupo de trabalho e daquelas crianças que me proporcionaram a oportunidade de aprendizado. Fomos concluindo o que seria possível até julho e que fosse tranqüilo como um encaixe no tempo do antes e do depois.

Iniciei as reuniões setorizadas nas onze áreas de atendimento que aconteceram no decorrer dos meses de maio, junho e julho com os seguimentos de professores, auxiliares de limpeza e portaria, membros da direção e pais dos alunos. Nestas reuniões os assuntos eram pedagógicos, administrativos e incluso estava um trabalho de respeito e reconhecimento a todos que por ali passaram. 

Trabalhei com a história “A Festa” do livro “No centro sentimos leveza” de Bert Hellinger. Fiz a leitura da história, deixei que silenciassem por alguns minutos, algumas pessoas se emocionaram, outras queriam falar, mas evitei muitos comentários e pedi que deixassem a história conduzir o sentimento: “Cada um que vem traz algo, permanece algum tempo e parte” -- Hellinger (2004 p.137). 

Em seguida dei um bonequinho de papel colorido para cada um, pedi que neste boneco escrevessem o seu nome e a data em que chegaram na escola e depois escrevessem o nome das pessoas que gostariam de prestar uma homenagem. Estas pessoas poderiam ser de momentos bons ou não, pessoas que já haviam morrido, pessoas que saíram da escola por qualquer motivo, inclusive aposentados. Que fossem escrevendo o nome de pessoas que por ali passaram desde o dia em que cada um foi lotado, que escrevessem quantos nomes tivessem vontade, pois todos pertencem ao sistema da escola e mereciam um lugar de respeito.

Algumas pessoas me perguntavam o porquê dos bonequinhos e disse a todos que eles fariam parte de um mural no enceramento do semestre. Em todos os grupos tive de conter minha emoção, pois antes de iniciar colocava meus pais atrás de mim e os pais das pessoas que participaram por detrás delas e lembro-me que no maior grupo tinha aproximadamente 50 pessoas, mas estava sentindo 150. Em meu coração 150 pessoas que eu respeitava e reconhecia, do jeito que eram e com história que traziam. Estes momentos foram importantes para meu fortalecimento e crescimento pessoal e profissional.

Em julho quando anunciei minha saída da direção nem eu mesma entendia a força que me acompanhava e o quanto foi leve aquele momento de despedida. Alguns professores imediatamente lembraram da história “A Festa”. Foram muitos os questionamentos com relação à calma e a paz interior em que me encontrava. Alguns chegaram a me perguntar o que realmente estava acontecendo, pois sabiam do amor que eu tinha pelos alunos e por aquele trabalho e não entendiam a minha decisão, mas em meu coração dois sentimentos tomavam conta, o reconhecimento e respeito por tudo que vivi e a alegria de passar adiante no tempo certo.

Quando estamos conectados com nossos pais e antepassados tudo fica mais simples. Desde que conheci os ensinamentos de Bert Hellinger já estava no cargo de diretora e a partir desse momento, humildemente, tudo começou a mudar nas minhas ações.

Passei a olhar para a escola como um grande sistema, onde cada membro traz seu sistema individual de origem e com ele suas regras, e enquanto diretora não posso me achar melhor do que aqueles que estão na minha responsabilidade, mas ao tomar meus pais senti uma força grandiosa e consegui ser firme sem sofrimento e sem arrogância. Sinto que devagar e com humildade um profundo amor foi tomando conta do meu interior e se expandindo em minhas ações, mesmo com os conflitos que um sistema escolar tem, conseguimos ao poucos atuar em muitos pontos onde buscávamos com alunos, professores e demais funcionários respeitar a estrutura hierárquica da escola. 

O respeito que deveríamos ter pela posição que cada um ocupava, pois refletia diretamente nas relações do dia a dia.
Marianne Franke (2005), relata que em sua experiência: “esse reconhecimento é uma condição fundamental para permanecermos em uma posição de autoridade perante os alunos e para convidarmos os pais a se dirigirem à escola com confiança. Com essa atitude interna para com a estrutura existente determinamos diariamente, de modo essencial, a tonalidade emocional de todos os acontecimentos com nossos colegas, superiores, crianças e pais e naturalmente também as suas intenções”. (p.158).

No decorrer da minha atuação com um olhar sistêmico senti que ao respeitarmos a família de origem dos alunos, dos professores e demais funcionários, nossa autoridade enquanto diretor é fortalecida e todos começam a perceber nossa liderança, e assim nossa postura muda naturalmente. Escutei muitas pessoas fazerem o comentário: “Você está tão diferente, parece que algo mudou, como se estivesse mais forte”.


2.  História - A festa

Uma pessoa se põe a caminho. Olhando à sua frente, vê ao longe a casa que lhe pertence e caminha para lá. Ao chegar, abre a porta e penetra num salão preparado para uma festa.

A essa festa compareceram todos aqueles que foram importantes em sua vida. Cada um que vem traz algo permanece algum tempo, e parte. Cada um traz um presente especial, cujo preço total já pagou, de uma forma ou de outra. 

Assim vêm: sua mãe, seu pai, seus irmãos, um avô, uma avó, os tios e as tias ― todos os que cederam lugar a você, todos os que cuidaram de você ― vizinhos, talvez, amigos, professores, parceiros, filhos: todos os que foram importantes em sua vida, e que ainda são importantes.

Cada um que vem traz algo permanece algum tempo, e parte. Assim como os pensamentos vêm, trazem algo, permanecem algum tempo, e partem. Como os desejos e os sofrimentos vêm, trazem algo, permanecem algum tempo, e partem. Como também a vida vem, nos traz algo, permanece algum tempo, e parte.

Terminada a festa, aquela pessoa fica em sua casa, cheia de presentes. Junto dela só permanecem aqueles aos quais convém ficar mais um pouco. Ela vai a janela, olha para fora e avista outras casas. 

Sabe que nelas um dia também haverá uma festa. Também ela comparecerá, levará algo, ficará algum tempo, e partirá.
Nós também estamos aqui numa festa: trouxemos algo, recebemos algo, ficaremos ainda algum tempo, e partiremos.

Bert Hellinger

#Está história penetra em sentimentos profundos. Quando fiz a leitura senti a força da atuação no contexto escolar. Segundo Bert Hellinger (2004), “Existem histórias que nos levam por um caminho. Quando nos deixamos conduzir por elas por um trecho desse caminho, elas realizam o que nos narram no mesmo momento em que as ouvimos”.(p.136)

A confraternização de despedida com pais e alunos foi surpreendente e emocionante, alguns ex-alunos compareceram com seus pais, os alunos que haviam falecido foram lembrados e senti o que há de mais sincero no olhar de cada um ali presente, senti o amor dos pais fluindo através das crianças.

Em outro momento preparamos a confraternização com os funcionários atuais e convidamos todos os funcionários que por ali passaram e amigos da escola para receber uma homenagem e uma placa de reconhecimento. 

Parecia que estávamos revivendo o que vivenciamos ao longo de todos esses anos no movimento do tempo. Um dos momentos mais emocionantes foi quando o senhor que faz cópias das chaves recebeu a placa de reconhecimento, nós o conhecíamos por apedido, mas ele foi chamado pelo nome completo, todos queriam saber quem seria aquela pessoa e levanta-se das últimas cadeiras um senhor todo arrumado, que humildemente se aproxima sem saber o que realmente aconteceria. 

Entreguei a placa e falei do respeito e reconhecimento que tínhamos por ele, pelo serviço que ele prestava com tanto carinho e eficiência, que ele também fazia parte do sistema. O auditório aplaudiu, muitos choraram, fiquei impressionada por ver a grandeza e a força daquele homem.

Ao encerrar as homenagens agradeci a meus pais por terem me dado a vida pois graças a eles eu estava ali naquele momento e agradeci aos pais de todos na grandeza de cada um, pois eles lhes deram a vida e graças a eles tive a oportunidade em conhecer cada pessoa ali e em seguida fiz uma grande reverência a todos. Eles levantaram e aplaudiram por algum tempo.

Tudo que recebi e vivi durante esses anos serão lembrados com amor e respeito atuando como uma grande força na minha caminhada.
Quando os professores retornaram do recesso em agosto, o mural estava pronto com uma linda frase da história “O círculo” escrito por Bert Hellinger (2004 p.166). “... o que conta quando o nosso tempo se encerra? O que conta é o antes e o depois, como uma só coisa”.





Hellen Vieira da Fonseca Teles
Referencia Bibliográfica:
Hellinger, Bert. No Centro Sentimos Leveza - Conferências e Histórias. Tradução: Newton de Araújo Queiroz. São Paulo: editora Pensamento-Cultrix LTDA, p.136 e 137, 2004.
Franke-Gricksch, Marianne. Você é Um de Nós – Percepções e soluções sistêmicas para professores, pais e alunos. Tradução de Décio Fábio de Oliveira Júnior e Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de Minas: editora Atman, p.158, 2005.

Fonte: http://www.institutohellinger.com.br/

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